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Uma pandemia dentro de outra pandemia

  • Foto do escritor: Rodrigo Lolli Almeida Salles
    Rodrigo Lolli Almeida Salles
  • 12 de jun. de 2021
  • 3 min de leitura

Como as pessoas podem ter tantas certezas sobre a pandemia de covid-19 se ainda há tantas dúvidas sobre a doença? Elas opinam sobre tudo, desde o famoso "é só uma gripezinha", até o "tempo de isolamento", os "testes que mostram a imunidade", os "tratamentos que previnem" e as "melhores vacinas". Surgiram incontáveis "experts" em virologia, imunologia, epidemiologia, infectologia, pneumologia etc. Uma verdadeira pandemia de palpiteiros dentro da pandemia de covid-19.


O efeito Dunning-Kruger

O efeito pode ser conceituado como quanto mais ignorante em um determinado assunto, mais confiante a pessoa pode se sentir ao opinar sobre ele. As pessoas não qualificadas tendem enxergar-se excessivamente habilidosas em muitos domínios sociais e intelectuais e acreditam saberem mais que outros mais bem preparados no assunto. Essa superestimação ocorre, em parte, porque nessas pessoas sua incompetência rouba-lhes a capacidade (metacognitiva) de identificar as próprias limitações de conhecimento. Desse modo, tendem a chegar a conclusões equivocadas.

Em contrapartida, a competência real pode enfraquecer a autoconfiança e algumas pessoas muito capacitadas podem sofrer de inferioridade ilusória. Esses indivíduos podem pensar que não são muito capacitados e subestimar as próprias habilidades, chegando a acreditar que outros indivíduos menos capazes também são tão ou mais capazes do que eles. A esse outro fenômeno dá-se o nome de síndrome do impostor.


O efeito Dunning-Kruger foi batizado com o nome dos dois pesquisadores pioneiros em estudá-lo, e a história que os motivou à pesquisa é, no mínimo, anedótica.

Em 1996, um assaltante chamado McArthur Wheeler se convenceu de que ficaria invisível se passasse limão no rosto. Munido desta "arma secreta" ele então passou a praticar assaltos sem máscara e... foi preso. Nada indicava a influência de transtornos psiquiátricos ou de entorpecentes. Ele realmente acreditava na própria invisibilidade diante das câmeras ao cometer os crimes. Os policiais relataram que Wheeler lhes teria dito, espantado: "Mas eu usei o suco de limão!"

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O aspecto cômico dessa história levou Dunning e Krugger a ganharem, em 2001, o Prêmio IgNobel de psicologia, conferido anualmente na Universidade de Harvard, que laureia pesquisas inusitadas que provocam risos, mas também reflexões, como a que estamos fazendo.


Simplesmente dar ao público mais informações, provavelmente não implica na compreensão neutra e compartilhada dos fatos; pode reforçar as visões tendenciosas.

E para complicar ainda mais, esse efeito tem dificultado muito a vida dos médicos, que são tem sido confrontados por vários pacientes "experts" em COVID-19, que não apenas se diagnosticam, como passaram a tentar definir os exames a serem feitos e os tratamentos que devem ser instituidos. Algumas decisões competentes aos médicos lhes são resguardadas por regulamentos e leis, como a prescrição de medicamentos controlados e a solicitação de exames a serem pagos por convênios de saúde. Isso levou ao surgimento de uma cadeia de pacientes que procuram um médico não por querer ser atendida por um profissional, mas por precisar de um papel com um carimbo do médico. Isso tem contribuído à superlotação dos pronto-atendimentos e ao aumento geral das tensões das pessoas envolvidas com esse processo. Além disso, a compra liberada de vários medicamentos não controlados e o conhecimento popular não baseado em evidências tem levado um contingente enorme de pessoas a tomar medicamentos que acreditam possuir efeitos protetores contra o COVID19. Além de gastarem recursos financeiros que poderiam estar sendo mais bem empregados, parte dessas pessoas acabam desenvolvendo efeitos colaterais ou toxicidade e precisando de atendimento médico, para controle dos problemas ocasionados pelo uso indevido de medicações. Algo similar também tem ocorrido no que se refere à realização de exames laboratoriais, a exemplo do dímero-D. Muitas pessoas tem ido ao laboratório por conta própria para realização de um exame que não necessitam e, frente a um resultado alterado, ficam repletas de desespero, novamente sobrecarregando os sistemas de saúde para sanarem um medo que não tem lugar de existir, simplesmente porque em muitos casos o exame nem tinha indicação de ter sido feito.

Tudo sugere que o efeito Dunning-Krugger está relacionado a crenças subjacentes. As experiências de vida que acumulamos fornecem conhecimento, mas não uma visão das dimensões de nossa ignorância. O valor está em saber reconhecer quando um limite foi atingido e entender que responder "não sei" não representa um fracasso.

Temos saídas para tentar combater essa pandemia de efeito Dunning-Krugger?

A primeira providência é divulgar o efeito para tentar "vacinar" as pessoas contra ele. Também é necessária uma boa dose de humildade para reconhecer que sabemos muito pouco sobre muitas coisas. Finalmente, devemos tentar ser razoavelmente complacentes com as opiniões equivocadas, sem deixar de apontar os equívocos, em especial sobre aspectos ligados à medicina. Afinal, "de médico e louco todo mundo tem um pouco".


Adaptado de Efeito Dunning-Kruger: uma grave pandemia dentro da pandemia da covid-19 - Medscape - 3 de junho de 2021. Dr. Mauricio Wajngarten.

 
 
 

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